Deborah Kerches
Uma a cada 44 crianças (aos 8 anos de idade) é diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA), de acordo com a pesquisa mais recente do Centers for Disease Control (CDC), órgão ligado ao governo dos Estados Unidos, divulgada em 2 de dezembro de 2021, com dados referentes a 2018. O aumento na prevalência é significativo em comparação ao estudo anterior, que trazia dados de 2016 (e foi publicado em 2020), em que se observava uma prevalência de 1 para cada 54 crianças diagnosticadas com TEA.
Mas o que, de fato, significa esse aumento? Essa questão tem sido amplamente discutida nos últimos anos, e acredita-se que o aumento da prevalência esteja refletindo: a expansão e melhora dos critérios diagnósticos do TEA com a 5ª revisão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5); mais recursos e esforços direcionados ao TEA; possíveis diferenças na metodologia dos estudos; componentes ambientais como o aumento das taxas de sobrevivência de prematuros, o que pode aumentar o risco para TEA; além de maior conscientização a respeito das características do espectro autista entre a sociedade de forma geral, e de profissionais mais capacitados para reconhecimento do TEA em crianças previamente diagnosticadas com Transtorno do Desenvolvimento Intelectual ou outra condição do neurodesenvolvimento.
Nesse cenário de maior conscientização e profissionais mais capacitados para reconhecimento dos sinais do TEA, tem sido observado também, na prática clínica, um número maior de pessoas se descobrindo autistas somente na vida adulta.
Vale destacar que o TEA é uma condição do neurodesenvolvimento de início precoce, ou seja, as características nucleares que contemplam déficits persistentes na comunicação e interação social, e padrões de comportamentos, interesses e atividades restritos e repetitivos estão presentes desde o início da infância. Porém, há casos de diagnóstico tardio, inclusive na fase adulta, em que as características nucleares ou centrais já estavam presentes antes dos 3 anos, mas são mais sutis ou mascaradas por estratégias sociais aprendidas, atrasando o diagnóstico.
Nesse contexto, é importante reconhecer possíveis características e alguns desafios enfrentados por adultos no espectro autista nível 1 de suporte e, assim, favorecer diagnósticos e tratamentos mais assertivos impactando em melhor qualidade de vida.
Podem ser observados:
– Prejuízos na interação e comunicação social: são adultos que apresentam dificuldade em iniciar ou manter uma conversa que não seja do interesse. Permanecer em ambientes sociais pode acarretar “ressaca social”. O fato de apresentarem um raciocínio linear e um vocabulário mais literal pode ser um desafio em uma comunicação funcional. As dificuldades em relação à comunicação social não significam que o autista não faça amizades ou não se relacione afetivamente, porém, podem dispensar um “esforço” maior para isso que neurotípicos.
– Dificuldades para compreender sinais sociais: sarcasmos, piadas, metáforas, um tom de voz diferente, gestos e expressões faciais; “flertar”, fazer a leitura do outro e do ambiente podem ser desafiadores.
– Inflexibilidade cognitiva: costuma haver dificuldades para flexibilizar comportamentos, pensamentos e emoções, impactando na vida acadêmica, profissional e afetiva. Isso prevê dificuldades para lidar com novas situações (uma mudança de emprego, por exemplo), com adversidades ou surpresas; em se desvincularem de uma atividade para responderem eficientemente a outra; em encontrar caminhos diferentes para a resolução de problemas imediatos, de médio e longo prazo.
– Maior necessidade de rotina: apresentam rigidez em costumes e hábitos, por exemplo, na ordem com que as coisas são feitas em casa, em seguir sempre o mesmo caminho para ir ao trabalho, vestir a mesma roupa ou comer o mesmo alimento, etc. Podem se desorganizar quando algo sai da rotina.
– Comportamentos repetitivos. Autistas adultos podem apresentar comportamentos ritualizados e estereotipados.
– Baixo contato visual: evitam olhar nos olhos; podem fazer isso com muito esforço, mas, depois, tendem a desviar o olhar.
– Hiperfoco e/ou foco nos pequenos detalhes: tendem a ficar muito tempo pesquisando ou falando sobre um ou mais assuntos de interesse; num projeto, por exemplo, podem ficar horas focado em uma atividade que seja do interesse. Muitos autistas se profissionalizam naquilo que é seu hiperfoco.
– Alterações sensoriais: as repostas atípicas aos estímulos sensoriais podem impactar na vida cotidiana. Alguns são hipersensíveis ao toque, sendo que um abraço, beijo e momentos de intimidade podem ser desconfortáveis; outros se desorganizam em ambientes ruidosos ou com muitos estímulos visuais; a seletividade alimentar pode persistir na vida adulta, entre outros aspectos sensoriais. Podem ser necessárias acomodações sensoriais no ambiente de trabalho, por exemplo.
– Na vida adulta, as comorbidades psiquiátricas, como transtorno de ansiedade, transtorno depressivo, entre outras, costumam estar presentes especialmente em diagnósticos tardios em decorrência dos desafios vivenciados ao longo dos anos. Distúrbios do sono como dificuldade para adormecer ou na manutenção de um sono de qualidade também são frequentes no espectro.
O espectro do autismo é amplo e cada pessoa com TEA tem suas particularidades. O diagnóstico é clínico, realizado por um especialista, de acordo com os critérios diagnósticos para o Transtorno do Espectro Autista do DSM-5.
Receber o diagnóstico de TEA, ainda que na vida adulta, pode ser libertador e encorajador… Contribui para o entendimento de alguns comportamentos e desafios vivenciados, auxiliando no enfrentamento desses; permite um tratamento adequado, com um olhar atento a possíveis comorbidades e, consequentemente, contribui para uma melhor qualidade de vida.