Igor Savenhago, da Redação Inclua
A gestação de Beatriz foi tranquila. Mas, um mês após a filha nascer, a mãe, Elaine da Silva, percebeu que havia algo diferente. Desconfiou que era autismo. O diagnóstico veio algum tempo depois.
Beatriz tem dez anos. É a caçula de quatro mulheres. As outras três, Francielle, de 27, Michelle, de 25, e Elen, de 21, são de um primeiro relacionamento. Logo após Beatriz ter vindo ao mundo, Elaine, porém, terminava o segundo casamento, com o pai da menina. “Virei mãe solo”.
Cuidando praticamente sozinha das quatro filhas, enfrentou dificuldades. A “Bia” tem autismo de grau moderado. É bastante dependente da mãe. Mas a Elaine, que era do lar, precisou começar a trabalhar fora para conseguir manter a casa.
Beatriz era bem pequena. Elaine prestou concurso para a rede municipal de Educação de Paraíso e foi aprovada. Coincidência (ou não), para o cargo de Monitora de Educação Infantil, apoiando na inclusão escolar. Antes disso, tinha feito Magistério. “Era uma época em que estavam começando a falar de inclusão. E fui chamada para dar apoio nas creches. Fiquei meio assustada no início, já que ninguém sabia como seria. Percebi que teria de buscar mais informação.”
Inquieta e determinada, continuou estudando, correndo atrás de conhecimento por conta própria. O lar também era reduto para ampliar os horizontes sobre pessoas com deficiência. Bia passou a manifestar outros problemas, como a epilepsia. Elaine não esmoreceu. Foi fazer Faculdade de Pedagogia.
Rotina agitada
Você deve estar se perguntando como ela faz para conciliar tantas atividades com os cuidados de Beatriz. Ainda mais porque as outras três filhas já não moram mais com a mãe. “Precisaram sair para tocar as vidas delas”.
Para dar conta da correria diária, Elaine, que tem 49 anos, passou a ter a ajuda do pai, Gerson, de 78, que é vizinho. “É meu pai quem me carrega no colo. Ele é viúvo e fica com a Bia quando estou trabalhando”. Em alguns momentos, teve a ajuda de uma cuidadora, como nos períodos mais críticos da pandemia de Covid-19, quando as atividades escolares presenciais da Beatriz foram suspensas.
Por falar nisso, Elaine é totalmente favorável à inclusão de crianças com deficiências em salas de aula convencionais, para que haja integração com outras crianças. Ficou preocupada com uma fala recente do Ministro da Educação, Milton Ribeiro, de que o Brasil poderia voltar a criar salas especiais exclusivamente para PcD. “Sou totalmente contra separar. Convivi por cinco anos com uma criança com paralisia cerebral. Ela era muito comprometida com a escola. A gente via o brilho no olhar dela por conviver com as outras crianças nas salas convencionais. Isso é inclusão.”
“Acredito que, a partir do momento em que alguém se forma para ser professor ou professora, não importa quem são os alunos. O preparo desse profissional deve ser constante, para lidar com todo tipo de estudante, inclusive as pessoas com deficiência”, complementa.
Ela presta serviços em vários locais do município. Logo quando a pandemia começou, Elaine foi colaborar no Lar Pedacinho do Céu, que atende crianças vítimas de maus-tratos. Hoje, atua numa creche, o CEMEI Emiliana Ferreira de Souza.
Contra o preconceito
Entre as preocupações, está o futuro de Beatriz. “Dói ver quando as pessoas olham torto pra ela. O que me carrega, o que me ajuda, é muita fé em Deus”. Já tentou pôr a filha para fazer balé, mas não encontrou tanta abertura. “Ela talvez não sinta quando alguém olha com nojo. Mas a gente sente muito. Parece que toma uma facada.”
Espera que a Bia possa encontrar oportunidades em vários segmentos, como cultura, esporte, lazer. “A gente cobra muito de Saúde e Educação, mas eles precisam de um desenvolvimento integral”. Para diminuir o preconceito, Elaine acha que a sociedade deve falar mais, promover mais eventos sobre a causa das deficiências. “Foi falando que a gente chegou até aqui. Antes, ninguém queria tocar no assunto. Era um tabu. Já melhorou bastante, mas podemos avançar ainda mais”.
Quem vê a Elaine falando, de forma articulada, com profundo conhecimento sobre o tema, logo vê que ela tem muito a ensinar. Mas também faz questão de dizer que o maior aprendizado ela tirou para si mesma. “Depois da Bia, mudei a minha vida. A gente fica menos materialista. Amadureci, me tornei mais humana”.
Já faz uma década que ela vê o mundo pelos olhos da filha. “E, com certeza, ele fica muito mais bonito pelos olhos dela.”