Evlyn apagou fotos por causa de síndrome rara, e hoje quer inspirar a autoaceitação

A insegurança deu lugar aos sorrisos: “se você não se aceitar, o mundo não vai fazer isso” (Foto: Acervo pessoal)

Igor Savenhago, da Redação Inclua

Evlyn de Oliveira tem 26 anos. E quase o mesmo tempo de rotinas de tratamento de saúde. Aos seis meses, teve a primeira crise de epilepsia. Aos quatro anos, descobriu a asma. Aos 12, apareceu o glaucoma no olho esquerdo. Tudo decorrente de uma síndrome rara, a Sturge Weber, conhecida também por angiomatose e que se caracteriza por uma malformação nos vasos sanguíneos do cérebro.

Os sintomas aparecem, geralmente, ainda na infância e pode envolver convulsões, dificuldades intelectuais, aumento da pressão nos olhos e acidente vascular cerebral (AVC). A síndrome é, também, considerada um importante fator de risco para o desenvolvimento do Transtorno do Espectro Autista (TEA), o autismo, além de provocar o aparecimento de angiomas, manchas avermelhadas no rosto, conhecidas popularmente como “vinho do porto”.

Para Evlyn, esse era um dos maiores incômodos. Pelo menos até os 23 anos, quando já havia feito faculdade e começou a se aceitar mais. Antes, uma das principais preocupações diárias era cobrir a mancha com maquiagem. Muita maquiagem. Resultado de alguns traumas, sobretudo na escola. Era discriminada por colegas. Tinha dificuldades de começar uma amizade. “Sei o que é o preconceito, as pessoas olharem diferente. Ninguém queria sentar perto de mim. Nas ruas, as pessoas passavam longe. Outras crianças me chamavam de cara roxa”. Sentia, ainda, que não tinha a atenção merecida de alguns professores. “Teve uma que quis me reprovar. Não acreditava quando eu passava mal.”

Isso quando conseguia frequentar a sala de aula. Vira e mexe, precisava se internar. O Hospital das Clínicas (HC) de Ribeirão Preto-SP era a segunda casa para esta paraisense de nascimento. “Era neuro, pneumo, oftalmo. Tive pneumonia várias vezes”. No caso dela, a mancha, além de atingir a cabeça, pegou um pouco do pulmão.

O caso de Evlyn está entre os mais leves. Mesmo assim, precisa controlar a síndrome com medicação. “Algumas crianças nem frequentam a escola. Não conseguem falar. Por isso, me considero um caso de superação”. De fato. Para isso, teve muita ajuda da mãe, Sônia – que se separou do pai, Sebastião, quando Evlyn tinha 18 anos –, e da irmã, Ana Clara, hoje com 14 anos e que ganha um agradecimento por ter sido compreensiva: quando pequena, Ana nunca reclamou de ficar com uma tia para que Evlyn e a mãe pudessem passar o dia no HC.

Com um ano, pouco depois da descoberta da síndrome (Foto: Acervo pessoal)

Cirurgias

Foi diagnosticada com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), mas, aos poucos, percebeu que era efeito da medicação. “Depois que troquei o remédio, foi diminuindo e não tive mais”.

Mas a Sturge Weber levaria Evlyn quatro vezes para a mesa de cirurgia. Duas nos olhos, uma por conta do glaucoma e outra para conter a catarata, e outras duas para correções nos lábios, que, segundo ela, eram bastante grandes. “Às vezes, eu tinha que segurá-los para falar”. Chegou a apagar várias fotos que tinha arquivadas por causa da insegurança de se ver.  

O término da faculdade, em Franca-SP, e um tratamento para clarear o rosto ajudaram. A maquiagem, que, em certas épocas da vida, era em excesso, foi ficando mais leve. A negação da doença passou a dar lugar a um processo de autoafirmação. Mas não pense que foi fácil. “Quando sentia que ia passar mal, com as vistas embaralhadas e as vozes ficando distantes, me trancava no banheiro e não contava pra ninguém. Ficava um tempo inconsciente, depois ligava pra minha mãe dizendo que não lembrava o que ia acontecer. Não lembrava nem como tinha chegado no ônibus que trazia os estudantes de volta pra minha cidade.”

Quando lembrava, enfrentava, de novo, o preconceito. “Eu pedia: ‘posso sentar aqui com você?’. E a resposta era: ‘Sai daqui. Pelo amor de Deus, se toca’”. A rejeição era motivo para um intenso sofrimento. Frequentou uma psicóloga para lidar com o bullying.

Formada em Sistemas de Informação, não conseguia emprego. “Via que as pessoas me olhavam torto e não queriam me contratar. Isso é complicado porque, quando tento entrar numa vaga convencional, as pessoas ficam me julgando. Quando tento uma vaga como pessoa com deficiência, falam que ando, que falo… Que o meu problema não é tão sério”.

Estava recebendo o auxílio emergencial do Governo Federal por causa da pandemia de Covid-19 quando decidiu comprar roupas e revender. Começou com pijamas femininos. Apaixonada por eletrônica, acrescentou fones de ouvido, relógios… Foi nascendo uma loja na garagem de casa: a Evlyn Modas. Quando os clientes não conseguem ir até lá, faz entregas de bicicleta. “Mas alguns deixam de comprar quando me veem sem a maquiagem.”

Tratamento está ajudando a clarear o rosto de Evlyn (Foto: Acervo pessoal)

Esperança

O novo empreendimento a levou a um novo curso: Técnico em Administração. Quer expandir os negócios. Ao mesmo tempo, tem esperança de conseguir um trabalho na área da primeira formação. “Penso que, se a lojinha não der certo, o que vou fazer? Quero aprender inglês e me vejo trabalhando com informática para ter dinheiro suficiente para que minha mãe não precise pagar minhas contas, já que muitos de meus tratamentos o SUS não cobre”.

A mãe é merendeira numa escola. Recebe menos de um salário mínimo. Dificuldade enfrentada com a ajuda de uma tia. “A gente passa bastante aperto. Mas sou muito batalhadora. Estudando, parece que estou provando pra mim mesma que sou capaz”, declara. ““Às vezes, quando digo que tenho um problema de saúde, é porque quero inspirar outras pessoas a se aceitarem. Se eu tivesse que dar um conselho seria: se você não se aceitar, o mundo não vai fazer isso.”

Apesar da questão financeira, sabe como a história dela chegou ao Inclua? Ela entrou em contato com o instituto para fazer uma doação. “Admiro muito o trabalho de vocês”, afirma ela.

Quer saber de uma coisa, Evlyn? Esse sentimento é recíproco.

Evlyn montou loja que oferece artigos eletrônicos e confecções: entregas são feitas de bicicleta (Foto: Acervo pessoal)

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