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Leonardo Gontijo voltou pra casa por amor ao irmão. E, pela inclusão, fundou um instituto

Leonardo se sentia mais feliz com o irmão e os amigos dele do que dentro de uma empresa (Foto: Acervo pessoal)

Igor Savenhago, da Redação Inclua

Leonardo tinha 12 anos, era o caçula de três irmãos, quando soube que ganharia mais um. Mas a alegria pela chegada logo virou um choque com a declaração do médico. Eduardo Gontijo, o Dudu, não andaria, não falaria e viveria apenas quatro anos.

A família, de Belo Horizonte, capital mineira, ficou sem chão. Na época, não havia muitas informações sobre a Síndrome de Down. E a expectativa de vida era mesmo baixa. A média, no Brasil, girava em torno dos 30 anos – hoje, é acima dos 60. Mas a situação de Dudu era considerada mais grave.

No entanto, o menino foi superando expectativas. Passou dos quatro. E foi muito além. Cinco, seis, sete… Leonardo acompanhava o desenvolvimento do irmão enquanto estudava para ser engenheiro civil e advogado. Até que um bom emprego o forçou a sair. Morou em municípios do Espírito Santo e em Mariana, cidade histórica de Minas.

Tinha uma carreira consolidada, trabalhando com sustentabilidade em mineradoras e consultorias. Mas não estava totalmente feliz. Achava que tinha terceirizado responsabilidades pelos cuidados de Dudu aos pais. “Até que, em 19 de setembro de 2008, no dia em que Dudu completou 18 anos, resolvi voltar pra casa. Voltei por amor ao meu irmão”.

Continuou trabalhando como advogado e engenheiro em BH, mas se sentia melhor entre Dudu e os amigos dele do que dentro de uma empresa. Até que, em 2015, decidiu abandonar de vez a carreira, mudou o padrão de vida e trocou um alto salário pelo dia a dia no Instituto Mano Down, que acabara de fundar.

Proximidade forte com o irmão desde a infância (Foto: Acervo pessoal)

Com apoio dos pais, Marcelo e Marina, dos outros dois irmãos, Marcelo e Paula, da esposa, Carolina Mota, e das filhas, Eduarda e Laura, Leonardo Gontijo Vieira Gomes, hoje com 43 anos, encarou o desafio de “trocar exclusão por oportunidade”, lema do Mano Down, pelo qual já passaram cerca de 50 mil beneficiados e que atende, atualmente, aproximadamente 450 famílias.

A principal busca é o desenvolvimento de potencialidades de pessoas com e sem deficiência e de inovações sociais voltadas à inclusão – como o Legado 21, programa com o qual o Inclua tem parceria. Entre as outras iniciativas, direcionadas a bebês até pessoas idosas, estão acolhimento familiar, assistência social, intervenções de saúde, oficinas artísticas e esportivas, vivências culturais, atenção pedagógica e escolar, inserção no mercado de trabalho e empreendedorismo, bem como envelhecimento saudável.

A história de amor com Dudu transformou o olhar de Leonardo sobre a vida. “Quando voltei a BH, queria tirar meu irmão de casa, ir ao Mercado Central, apreciar a culinária mineira. E os amigos dele também”. Resultado: ele e o irmão viraram palestrantes, viajando por todo o Brasil para contar suas experiências. Leonardo já escreveu quatro livros em homenagem ao agora caçula e está terminando o quinto.

A primeira obra veio em 2011 – “Mano Down: relatos de um irmão apaixonado”. Dois anos depois, a segunda – “Quer saber? Eu quero contar. Aprendizados e lições na Síndrome de Down”. Depois, em 2015, mais uma – “Não importa a pergunta, a resposta é o amor”. E, em 2016, “A música como instrumento de inclusão”.

Dudu do Cavaco

E por que um livro sobre música? Porque o próprio Dudu é exemplo. Músico, com habilidades em dez instrumentos, Eduardo, hoje com 31 anos, idade quase oito vezes maior que aquela previsão médica, passou a ser conhecido como Dudu do Cavaco. Ele é considerado o primeiro músico do Brasil com Síndrome de Down a gravar profissionalmente.

Destaque em programas como Caldeirão do Huck, Encontro com Fátima Bernardes, já abriu show da banda Jota Quest e subiu ao palco com Lenine, Zélia Duncan, Mônica Salmaso, Paulinho Pedra Azul e Orquestra de Câmara Sesiminas.

Dudu toca dez instrumentos e foi a primeira pessoa com Down no país a gravar profissionalmente (Foto: Acervo pessoal)

Casamento

Foi no programa de Huck, no quadro The Wall, em janeiro de 2021, que Dudu pediu a noiva, a modelo Vitória Rosa, de 25 anos, em casamento pela segunda vez. A primeira havia sido num jantar em família.

Vitória também tem Síndrome de Down. Além de modelo, é influenciadora digital e já fez desfiles e campanhas para várias grifes, participou de clipes musicais e apresentou a história dela num TEDx, uma espécie de conferência pelas quais se divulgam ideias e exemplos inspiradores.

Ela e Dudu se conheceram no mesmo ano de fundação do Mano Down, numa colônia de férias. O casamento, que estava previsto para o ano passado e foi adiado por causa da pandemia de Covid-19, vai, finalmente, ser realizado neste dia 6 de março.

Para Leonardo, a união de duas pessoas com Down é “uma conquista de independência e mostra, para a sociedade, a importância de dar oportunidades para que elas possam buscar seu espaço como cidadãos”.

Cidadania

E pensar que, antes de conseguir demonstrar seu talento, Dudu chegou a ser rejeitado por 17 escolas. Mas “desistir” não era uma palavra que constava no livro da família.

Neste mês de março, o mesmo do casamento de Dudu, o Mano Down inaugura o primeiro ecossistema de inclusão e inovação social de BH. Além de uma nova sede, com maior capacidade de atendimento, a proposta inclui o primeiro hub de empreendedorismo para pessoas com deficiência para pessoas com deficiência e familiares, espaço multidisciplinar para educação inclusiva, café cultural inclusivo e um projeto de passeio acessível.

Pelo visto, a palavra daquele médico era o impulso a família precisava para converter notícias apocalípticas sobre a Síndrome de Down em “oportunidades” para ter a vida como aliada. Mais que isso, como uma irmã.

Dudu e Vitória se conheceram em 2015 e estão com casamento marcado agora para o mês de março (Foto: Acervo pessoal)

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