Síndrome de Asperger ou Transtorno do Espectro Autista nível 1?

O coeficiente intelectual costuma ser médio, embora algumas possam apresentar QI superior (Foto: Banco de imagens)

Deborah Kerches

Após a última revisão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos de Saúde Mental (DSM-5), as pessoas com Síndrome de Asperger passaram a se enquadrar no diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista nível 1.

Apesar disso, a nomenclatura ainda é bastante citada, especialmente para dar destaque a diferenças importantes que existem entre pessoas com Asperger e demais pessoas que estão no espectro nível 1. Para maior contextualização, pode-se dizer que: toda pessoa com Síndrome de Asperger está no espectro autista nível 1, porém, nem toda pessoa que está no espectro nível 1 se enquadraria na Síndrome de Asperger.

A nomenclatura Síndrome de Asperger ainda está vigente na CID-10 (Classificação Internacional de Doenças), porém, em 1º de janeiro de 2022, quando a CID-11 entrará em vigor, será também englobada no espectro autista nível 1.

Dentre o grupo que se encontra no espectro autista nível 1, as pessoas com características de Síndrome de Asperger seriam aquelas mais funcionais, que apresentam, de forma geral, prejuízos relacionados a inabilidades sociais, comportamentos excêntricos e/ou repetitivos, pensamentos mais rígidos, práticas e rituais incomuns e interesses restritos. Tendem a apresentar hiperfoco e prejuízos psicomotores que lhes dão aspecto “desajeitado”, “estabanado”. Não há atraso intelectual e o coeficiente intelectual costuma ser médio, em torno de 100, embora algumas possam apresentar quociente intelectual (QI) superior e altas habilidades.

A comunicação social fica comprometida em algum grau, embora os prejuízos sejam mais sutis. Elas costumam se comunicar verbalmente e socialmente espontaneamente, porém, muitas vezes, de maneira inadequada e até mesmo excêntrica. Geralmente, não há atraso na aquisição da fala, mas essa conta, muitas vezes, tem particularidades, como repertório extenso, vocabulário rebuscado e mais formal; uma fala mais estruturada gramaticalmente, com alteração na prosódia, timbre e altura de voz. Costumam existir falhas na compreensão de figuras de linguagem, gírias, piadas, mímicas faciais e linguagem corporal, interpretações mais literais, além de dificuldades em iniciar e manter uma conversa. A fala geralmente é mais para demanda própria do que para compartilhar – o que pode conferir a elas aspecto rude ou insensível. Podem, assim, ficar por horas falando sobre um determinado assunto sem perceber que a conversa não está agradando.

As pessoas com Asperger geralmente não apresentam atrasos nos marcos do desenvolvimento motor, dificuldades pedagógicas e nem de autocuidado – o que faz com que sejam bastante funcionais e adquiram independência sem grandes desafios. Como as características são mais sutis, podem passar despercebidas na criança pequena, ficando mais notáveis quando se aumentam as demandas sociais, como a partir dos 7 anos, na adolescência ou até mesmo na fase adulta, o que explica diagnósticos mais tardios.

As demais pessoas que se encontram no TEA nível 1 – mas não se enquadram na Síndrome de Asperger –, por vez, apresentam maiores prejuízos em relação à reciprocidade e comunicação social, no contato visual; podem apresentar algum atraso na aquisição da fala (menos significativo do que naquelas que se encontram no espectro moderado ou grave, mas o suficiente para trazer prejuízos); fazem mais ecolalias e estereotipias (embora também presentes naquelas diagnosticadas com Síndrome de Asperger); tendem a responder menos quando chamadas; imitam menos; exploram menos os brinquedos de maneira adequada; apresentam maiores dificuldades para aprender jogo simbólico e novas habilidades. As alterações sensoriais costumam ser mais evidentes, assim como prejuízos motores.

Ainda que as características sejam mais “leves” nas pessoas com Asperger, elas costumam apresentar ao longo da vida desafios nos relacionamentos, no traquejo social, para se adaptar a novas rotinas etc. Por terem maior compreensão do todo, costumam se angustiar mais com a percepção que os outros têm a respeito delas – o que as deixa mais vulneráveis a comorbidades como, por exemplo, transtornos ansiosos, depressão, entre outras.

A maioria das pessoas com Asperger terá uma vida funcional, ingressará no mercado de trabalho, constituirá família, mas, ainda assim, o diagnóstico e intervenções especializadas (principalmente no sentido de trabalhar habilidades sociais) são importantíssimos e garantirão que cada pessoa tenha o entendimento adequado a respeito das particularidades dessa condição, lidando melhor com possíveis dificuldades e desenvolvendo ainda mais suas potencialidades.

Deborah, CRM 102717-SP, RQE 23262-1, é neuropediatra especialista em Transtorno do Espectro Autista; coordenadora e professora de pós-graduações do CBI of Miami; autora do livro best-seller “Compreender e acolher Transtorno do Espectro Autista na infância e adolescência”; conselheira profissional da REUNIDA (Rede Unificada Nacional e Internacional em defesa das pessoas com Autismo); mestranda em Análise do Comportamento pela PUC-SP; madrinha do Projeto Social Capacitar para Cuidar em Angola; membro da Sociedade Brasileira de Neuropediatria, da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil (ABENEPI), da Academia Brasileira de Neurologia, da Associação Francesa La Cause des Bébés e da Sociedade Brasileira de Cefaleia. Tem uma página no Instagram, @dradeborahkerches, com conteúdos sobre TEA, neurologia e saúde mental infantojuvenil.

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